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A TÉCNICA DA CAIXA DE AREIA

A TÉCNICA DA CAIXA DE AREIA

Esta técnica, introduzida por Dora Kalff (1980), baseada na Técnica do Mundo de Margaret Lowenfeld (1979) foi usada por ela, inicialmente, apenas na terapia de crianças. Mais tarde ampliou, com sucesso, o seu uso também para a terapia de adultos.

Sandplay é o termo criado por Dora Kalff para diferenciar sua técnica, de orientação junguiana, da Técnica do Mundo de Margareth Lowenfeld, enquanto sandtray permanece o termo genérico que se refere à técnica de usar miniaturas numa caixa rasa parcialmente preenchida com areia. (…)

 (…) Muitos eventos sincrônicos ocorreram nos sessenta e cinco anos de história da bandeja de areia, sendo que cada um deles sustentou e avançou o crescimento e desenvolvimento deste meio. Um desses eventos foi a lembrança que a psiquiatra infantil Margareth Lowenfeld teve do livro “Floor Games”, de H. G. Wells, e o uso de miniaturas no jogo com seus filhos ainda crianças. Baseando-se nesta lembrança e observando que o uso da linguagem com as crianças era um modo limitado de comunicação, Lowenfeld inspirou-se e passou a incluir miniaturas em seu consultório usado pelas crianças. Neste ‘setting’, as crianças colocaram espontaneamente as miniaturas numa pequena caixa rasa de areia para criar cenas ou padrões. Assim, em 1929, nascia a Técnica do Mundo de Lowenfeld. (…)

            A crença de Lowenfeld em que seu método poderia ser aplicado por terapeutas de diversas orientações, foi validada por muitas pessoas que integraram a Bandeja de Areia em suas próprias estruturas de trabalho. Por exemplo, Charlotte Bühler, da Universidade de Viena, mais tarde ligada à Universidade da Califórnia do Sul, observou o trabalho de Lowenfeld em Londres durante os primeiros anos da década de 30. Incorporando o uso da Técnica do Mundo em sua pesquisa veio a usá-la como instrumento diagnóstico de inter-relacionamento cultural e como meio de verificação da saúde mental de crianças e adultos. (…) (Mitchell e Friedman ,1994: XV -XVII).

Charlotte Bühler influenciou muitos outros pesquisadores, entre eles Henri Arthus, clínico francês que desenvolveu o “Teste da Aldeia” como instrumento diagnóstico em 1939, Pierre Mabille que desenvolveu seu próprio “Teste da Aldeia” em 1945 e Roger Mucchielli que publicou seu “Teste da Aldeia Imaginária” em 1960.

Dora Kalff, uniu seu “background” junguiano com a técnica de Lowenfeld e enfatizou a importância do uso da bandeja num espaço livre e protegido, possibilitando aos pacientes o contato com o inconsciente e a expressão de experiências pré-verbais e energias bloqueadas. Em sua prática clínica, percebeu que o efeito dessa expressão era a ativação de energias regeneradoras e curativas enfatizando a conexão entre o Self inconsciente e o Ego consciente, resultando na restauração do funcionamento natural da psique. Sua premissa básica era de que a psique pode ser estimulada a mover-se para a frente de uma maneira significativa e curativa.

                        Brincando novamente como uma criança, com toda seriedade de uma criança ao brincar, o adulto revive memórias perdidas, libera fantasias inconscientes e, no correr do tempo, constela as imagens de reconciliação e inteireza do processo de individuação. (Stewart 1990: 37).

Dora Kalff supôs que na criança ou no adulto que tinha problemas, a manifestação do Self falhava porque a proteção materna era ou muito pouca ou muito ansiosa ou então existiam influências ambientais traumáticas tais como doença, guerra e outras dificuldades. No entanto a constelação do Self, que não teria acontecido nos primeiros anos de vida, poderia ser ativada em outra época, como por exemplo no Sandplay onde o terapeuta pode recriar a unidade original de mãe e filho. Esta relação tem uma influência curativa se o terapeuta acolher e entender o significado dos símbolos emergentes. Este cuidado pode originar um sentimento de calma e concentração propícios ao Processo de Individuação. A atitude de Dora Kalff em relação à transferência do paciente para o terapeuta, foi influenciada pela visão analítica de Jung, segundo a qual a psicoterapia era um processo dialético no qual ambos os participantes estavam envolvidos numa interação mútua. Kalff percebia que esta relação era diretamente expressada na bandeja.

A Caixa de Areia constitui-se em uma bandeja cheia de areia, colocada a cerca de 70 cm do chão, aproximadamente a altura de uma mesa comum. Suas dimensões são de 49 X 72 X 7 cm, correspondendo ao ângulo de visão de uma pessoa e geralmente é pintada de azul por dentro, para que seu interior possa ser utilizado também como se fosse água. Quando possível, são postas à disposição do cliente, duas caixas, sendo uma com areia seca e outra com areia úmida. Este cenário serve para a construção de imagens usando-se uma grande variedade de figuras em miniatura. Estas miniaturas representam uma amostra de tudo o que existe no mundo natural e sobrenatural sendo que a sua variedade e qualidade correspondem à escolha pessoal do analista que utiliza essa técnica. Portanto, a coleção de miniaturas usadas tem uma história que coincide com o desenvolvimento pessoal e profissional do terapeuta.

 

Depois que o terapeuta introduziu o procedimento e deu ao cliente uma oportunidade de se envolver (tocar, manipular)       com a areia as miniaturas que estão em prateleiras próximas são selecionadas pelo cliente e colocadas em uma das bandejas para formar a cena. Durante a criação da imagem na caixa de areia o terapeuta se torna uma ‘testemunha silenciosa’ do processo.

(Mitchell e Friedman, idem: XIX).

O que se propõe é que o paciente escolha, dentre as figuras ao seu dispor, alguma que lhe tenha chamado a atenção. A partir desta figura inicial, a vivência lúdica se instala e a pessoa se encontra criando e brincando com algo de sua própria vida. Instala-se um diálogo entre pessoa e areia à medida em que a imagem vai se formando, existindo assim uma chance de representação egóica e sélfica simultaneamente. A atitude do terapeuta é de aceitação sem crítica do que está sendo produzido. Mais tarde vai fotografar e guardar a imagem para uma posterior discussão com o cliente sobre seu conteúdo simbólico.

O objetivo desse criar na areia, visa curar ferimentos e desequilíbrios que possam ter ocorrido na vida do paciente. Além disso possibilita uma expansão do ponto de vista consciente, podendo levar a uma transformação da personalidade. Dora Kalff se refere à cura no contexto da terapia com a Caixa de Areia, como um fenômeno não racional, de nível pré-verbal. Enquanto a psicoterapia verbal analítica, que trabalha com interpretação de sonhos, conscientização de complexos e resolução de problemas, é uma técnica de conscientização progressiva, o uso da Caixa de Areia incentiva a regressão criativa e não enfatiza a importância do pensamento racional. Há, portanto, uma complementação entre esses dois processos terapêuticos.

Segundo o analista Joel Rice-Menuhin (1992: 3-4) a Caixa de Areia dá ao terapeuta uma imagem não-verbal que pode representar significados, dentro da situação terapêutica, que não são conhecidos ou inteiramente captados nem pelo cliente nem pelo terapeuta. Tais imagens trazem novas mudanças psicológicas,             substituições, desenvolvimentos, delegações, repressões e possíveis conteúdos latentes no material do paciente. (…) As imagens na areia podem amplificar e intensificar o material de análise, e relacioná-lo à experiência pessoal. Isso significa que é muito importante descobrir o que aquele símbolo na Caixa de Areia pode significar para o autor. Em muitos casos as imagens na areia têm o efeito de devolver uma imagem-espelho ao paciente e ampliar sua compreensão de si mesmo. (…) O feedback não-verbal de apenas     olhar e intensamente partilhar da Caixa de Areia tem, em si, o grande poder de esclarecer a situação para o terapeuta.

A Caixa de Areia é um espaço totalmente protegido, em que uma ideia ou imagem interior é transposta para o concreto, havendo a tentativa de configuração de uma realidade espiritual no nível da matéria. A expressão simbólica na areia representa a possibilidade de uma objetivação da energia do inconsciente, tendo como efeito uma conexão profunda com o centro interior, conhecido na linguagem junguiana como o Self.

 A Caixa de Areia não é um instrumento mágico. É um instrumento, extremamente efetivo para chegar à imaginação e permitir que ela se torne criativa… É também uma expressão do terapeuta, como uma personalidade criativa, que se relaciona com o paciente tanto pessoal como simbolicamente num nível extremamente profundo. A evolução simbólica que se observa nestes casos não ocorre no espaço da Caixa de Areia e do consultório, ela ocorre na presença do terapeuta (originalmente Dora Kalff) que provê um ‘temenos’[1],um continente receptivo, no qual as emoções e expressões mais profundas da fantasia têm uma chance de manifestar-se e serem recebidas, apreciadas e compreendidas.’ (Harold Stone, 1980)

Neste trabalho buscaremos o significado das imagens emergentes nas diversas Caixas de Areia realizadas pelos analisandos observados. Procuraremos focalizar os aspectos coletivos que constituem os símbolos típicos para certas alterações da psique, e que ao mesmo tempo, nos mostram o caminho da resolução de um conflito constelado, ou do desenvolvimento necessário num determinado momento de vida do indivíduo.

 

 

[1] palavra usada pelos antigos gregos para definir um recinto sagrado – isto é:  um templo – dentro do qual a presença de um deus pode ser sentida; continente psicológico moldado pelo analista e pelo paciente durante a análise e caracterizado por um respeito mútuo a processos inconscientes. N. da A)