O corpo simbólico

O movimento corporal tem um significado profundo e revelador da realidade somática interna, seja em sua realidade espacial, como projeção da imagem corporal, seja em sua expressão dinâmico-afetiva na ação, ambos influenciando decisivamente a experiência dos relacionamentos. Quando nós, adultos, voltamos nossa atenção para o corpo, e procuramos restabelecer a ligação com ele, ocorre uma espécie de volta ao maternal arquetípico, para a relação entre mãe e filho na primeira fase da vida. A atmosfera afetiva daquela fase em que a pessoa viveu quase que exclusivamente como corpo, bem como as sucessivas modificações posteriores, poderão emergir e se manifestar em muitas imagens. A saudade de totalidade, inteireza psíquica e dinâmica fluente está colocada na Psique humana, dando testemunho da existência de um centro – o Self. O encontro com o corpo no movimento poderá trazer, ao indivíduo, além da renovação das forças, a ampliação da consciência e um fluir livre da energia vital. Se estou presente em meu corpo aqui e agora, me sinto pleno e saciado.
A Dança Meditativa baseia-se na premissa de que existe uma relação direita entre as imagens interiores de uma pessoa – e os estados emocionais ligados a eles – com a movimentação do corpo no espaço e no tempo.
O trabalho busca facilitar a vivência e a integração de processos interiores, através da expressão corporal e do desenho, associados aos princípios da Imaginação Ativa junguiana.
São apresentados exercícios de consciência corporal, com música selecionada, seguidos de improvisação de movimentos livres e exercícios de concentração. As imagens interiores que surgem são expressas através do desenho. A música, o movimento e o desenho combinam-se, possibilitando uma conscientização da realidade interior. As conversas, as observações da orientadora e do grupo, favorecem a integração dos processos psíquicos constelados naquele momento.
As abordagens expressivas que a psicologia junguiana inclui em suas pesquisas, entre elas o Sandplay, o desenho livre, a música, a modelagem, a dança, são amplamente reconhecidos como instrumentos que nos ajudam, no processo de autodescoberta, a estabelecer um contato com nossa fonte interior de criatividade, levando-nos a expressar através do movimento, a alegria profunda que este contato nos traz. Materiais de apoio são: música, poemas, imagens, histórias, objetos.
Pode-se dizer, a partir de observações clínicas, que os estados emocionais de uma pessoa se expressam numa sensação espacial interior que se manifesta na postura do corpo e no padrão de movimento.
No início da vida, podemos observar que a comunicação não verbal se desenvolve como uma linguagem vital e mesmo primal. Neste estágio os movimentos servem como único meio de comunicação. Em seu livro “Das Kind” 1980, Neuman, descreve como a criança em seu primeiro ano de vida existe quase que exclusivamente como corpo, ou seja, é principalmente o Self corpóreo, a totalidade única e delimitada do indivíduo que ocorre pela unidade biofísica do corpo.
Entende-se que o corpo é uma realidade simbólica, cujos significados precisam ser desvendados. Para quem se dispõe a pesquisar e ater-se às mensagens que o corpo expressa, elas são fontes inesgotáveis de dados proveitosos no trabalho terapêutico.
Os aspectos doentes de nosso corpo ou, segundo a cultura em que vivemos, inadmissíveis, evocam o conceito de sombra de Jung – aquela parte da história que não assimilamos e que dificilmente reconhecemos como sendo nossa. O corpo torna-se então, um arquivo vivo de experiências não assimiladas, sendo por isto, considerado sombrio e perigoso. Muitas proibições e muitos tabus giram em torno de necessidades fisiológicas ou instintivas que o corpo manifesta.
O encontro com o corpo e seu movimento, além de concentrar-se na vivência atual do Eu consciente, pode ser vivenciado simbolicamente, como expressão da realidade interior da pessoa, tanto em sua manifestação passada como futura.
A Dança Meditativa é uma das possibilidades de vivenciarmos o ser corpóreo nas dimensões de tempo e espaço, representando uma genuína e direta experiência existencial.
Este trabalho baseia-se em exercícios estruturados para que o indivíduo alcance a consciência corporal, seguidos de improvisação com movimentos livres e exercícios de concentração. A conscientização corporal é buscada através de uma integração harmoniosa de movimentos elementares ordenados e do uso das possibilidades de movimentação orgânica do corpo. A música e o movimento combinam-se numa vivência associada aos princípios da Imaginação Ativa Junguiana. Durante a improvisação livre e a realização dos exercícios de concentração, a vivência intensa com a música compreendida como energia sustentadora, ajuda na expressão das imagens, sensações e acontecimentos psíquicos emergentes. A calma resultante dessa vivência, possibilita a concentração que cria o espaço e o tempo para se chegar a si mesmo. A polaridade entre movimento e repouso desenvolve um ponto de referência pessoal através de uma nova percepção de si e uma consequente autoconfiança.
A conjugação de movimento meditativo e expressão de imagens interiores no Desenho Livre e na Caixa de Areia proposta neste trabalho possibilita um processo de integração dos estados emocionais opostos do indivíduo, favorecendo uma experiência interior de plenitude e harmonia. A vivência expressiva é vista como o espaço em que se possibilita ao indivíduo o contato com as imagens interiores relacionadas com seu processo de integração psíquica. Assim, os vários aspectos opostos ou polares da personalidade podem vir à consciência acompanhados das emoções conectadas com as imagens emergentes. Através da relação com estes estados emocionais pode ocorrer a objetivação, possibilitando ao paciente, a resolução de questões pendentes do passado e a integração de novas realidades interiores. Estas realidades novas, emergindo do Inconsciente, tanto em sua dimensão pessoal como coletiva, vão enriquecer e completar a percepção consciente do indivíduo.
Elisabeth Bauch Zimmerman
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