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O pensamento junguiano como ajuda na compreensão do processo criativo

O pensamento junguiano como ajuda na compreensão do processo criativo

A atitude necessária do terapeuta e do educador que se utiliza de recursos expressivos em seu trabalho, parte do princípio que deve aceitar tudo que o sujeito manifesta como sendo vivo e podendo representar o interior psíquico: um pedaço de pau pode ser “meu filhinho”. É o como se que permite a transformação simbólica de uma situação material, que se fixou na psique e aparentemente não tem saída.

Nesta abordagem, compreende-se a realidade psíquica como sendo tão viva quanto a física. Uma tal atitude podemos chamar de atitude simbolizadora. Através dela projetamos algo que está inconsciente e que tem conexão com nossa existência sobre a realidade exterior. Para vivenciar o símbolo devemos estar prontos a nos deixar mobilizar emocionalmente por ele.

O símbolo tem uma conexão interna com o que através dele é representado. Essa conexão garante a intensidade de seu valor subjetivo, isto é, a carga de sentido dessa representação. É nisso que o símbolo se distingue do sinal. Sinais são representantes que não possuem um excedente de significado; são acordos fixados por meio de uma afirmação que se torna universal.

Outro aspecto importante a ser considerado é o aparecimento de fenômenos sincronísticos: os campos se formam, os eventos físicos se associam às situações não materiais, psíquicas, formando as chamadas coincidências significativas.

Por parte do sujeito, é necessário obter um estado de absorção, ele deve estar convencido de que seu lugar agora é este e, brincando, vai formar uma história, a sua história. Precisa tomar a decisão de entregar-se ao processo lúdico, meditativo e confiar na autoregulação da psique.

Na interpretação dos fenômenos, é necessário levar-se em conta o contexto de vida da pessoa, o seu ponto de vista consciente, o princípio da compensação e da complementação.

A Psicologia Analítica Junguiana constitui a base teórica de uma das modalidades de tratamento que prevê um processo natural de crescimento em direção à inteireza da personalidade, conhecido como individuação.

Sua atuação terapêutica inclui a interpretação simbólica de sonhos e imagens interiores que podem ser objetivados através de várias técnicas expressivas não verbais podendo ser compreendidas de modo geral na abordagem da Imaginação Ativa.

A Imaginação Ativa, uma atividade terapêutica não-verbal criada por Jung; é uma experiência meditativa que visa à emergência de imagens interiores impregnadas de emoções importantes na história do desenvolvimento do indivíduo.

O Desenho Livre possibilita a expressão de conteúdos psíquicos inconscientes, como já foi observado em diversos testes projetivos. A única instrução dada aos participantes dos grupos é que desenhem aquilo que esteja presente no momento, sendo o objetivo dar uma realidade concreta a, pelo menos, parte do acontecimento imaginário. A objetivação dos conteúdos interiores através do desenho é vista como uma forma de estimular o diálogo do eu consciente com as imagens interiores consteladas no momento.

O Jogo na Areia, introduzido por Dora Kalf utiliza uma bandeja cheia de areia que se constitui num espaço livre e protegido, possibilitando às pessoas, ao criar situações, o contato com o inconsciente e a expressão de experiências pré-verbais e energias bloqueadas. Este cenário serve para a construção de imagens, através do uso de uma grande variedade de miniaturas que representam uma amostra do mundo real e da fantasia. Em sua prática clínica, Kalff percebeu que o efeito da expressão lúdica na Caixa de Areia correspondia à ativação de energias regeneradoras e curativas, enfatizando a conexão entre o Self inconsciente e o Ego consciente, resultando na restauração do funcionamento natural da Psique.

A Dança Meditativa é uma das possibilidades de vivenciarmos o ser corpóreo nas dimensões de tempo e espaço, representando uma genuína e direta experiência existencial.

A conscientização corporal pode ser buscada através de uma integração harmoniosa de movimentos elementares ordenados e do uso das possibilidades de movimentação orgânica do corpo. A música e o movimento combinam-se numa vivência associada aos princípios da Imaginação Ativa Junguiana. Durante a improvisação livre e a realização dos exercícios de concentração, a vivência intensa com a música compreendida como energia sustentadora, ajuda na expressão das imagens, sensações e acontecimentos psíquicos emergentes. A calma resultante dessa vivência possibilita a concentração que cria o espaço e o tempo para se chegar a si mesmo e obter uma nova percepção e autoconfiança.

A premissa teórica do trabalho com recursos expressivos é a de que existe uma relação direta entre as imagens interiores de uma pessoa – os estados emocionais ligados a ela – e a manifestação criativa na realidade exterior em seu simbolismo espacial e na sua expressão dinâmico-afetiva.

Especificamente, entende-se que o corpo é uma realidade simbólica, cujos significados precisam ser desvendados. Para quem se dispõe a pesquisar e ater-se às mensagens que o corpo expressa, elas são fontes inesgotáveis de dados proveitosos no trabalho terapêutico.

A conjugação de movimento meditativo e expressão de imagens interiores no Desenho Livre e na Caixa de Areia, que proponho em meu trabalho como terapeuta e educadora, possibilita um processo de integração dos estados emocionais opostos do indivíduo, favorece uma experiência interior de plenitude e harmonia. A vivência expressiva é vista como o espaço em que se possibilita ao indivíduo o contato com as imagens interiores relacionadas com seu processo de integração psíquica. Assim, os vários aspectos opostos ou polares da personalidade podem vir à consciência acompanhados das emoções conectadas com as imagens emergentes. Através da relação com estes estados emocionais pode ocorrer a integração, possibilitando ao paciente, a resolução de questões pendentes do passado e a vivência prefigurada de novas realidades interiores. Estas realidades novas, emergindo do Inconsciente, tanto em sua dimensão pessoal como coletiva vão enriquecer e completar a percepção consciente do indivíduo.

No pensamento junguiano, o trabalho do artista é visto como uma força da natureza, que vai além do destino pessoal. Compreende-se o processo criativo como ativação inconsciente da imagem arquetípica e sua elaboração e configuração até atingir uma obra acabada. A Criatividade ocupa o centro da Psicologia de Jung. Ele via a necessidade de tornar o núcleo criativo do inconsciente acessível ao consciente. O símbolo seria a expressão visível do desenvolvimento criativo.

A Individuação é um processo de diferenciação: a singularidade de uma pessoa deve se manifestar, o que, paradoxalmente a aproxima dos outros seres humanos. Na terapia junguiana, a interpretação de símbolos, no nível subjetivo e no objetivo, é vista como a possibilidade de se instalar, ao mesmo tempo, um processo de integração e de relação como o outro. Não promove apenas o desenvolvimento da autonomia, mas está de mãos dadas com um melhor relacionamento entre os homens.

Segundo Verena Kast, em seu livro “Dinâmica dos Símbolos”, a produção de um símbolo é análoga ao processo criativo em geral. Iniciamos por tentar resolver uma situação com os recursos já conhecidos. Quando isso não dá certo, instala-se um período de incubação: perdemos o controle e a concentração, ficamos irritados e frustrados e as fantasias começam a proliferar. Repentinamente, vem uma solução, um insight, que se torna acessível ao consciente na linguagem simbólica. O processo criativo consiste numa ativação inconsciente da dimensão arquetípica e de sua elaboração consciente na obra criada.

Representações arquetípicas são estruturas muito variáveis que nos remetem a uma forma básica irrepresentável. Esta se caracteriza por certos elementos formais e determinados significados fundamentais, os quais, entretanto, só podem ser apreendidos de maneira aproximada. Esta apreensão se dá por imagens simbólicas que correspondem, por analogia, a reações instintivas e corporais.

A individuação é um alvo. Individuar-se é tornar-se si-mesmo. Segundo Jung, o Si-mesmo é o arquétipo central, um principio orientador durante o processo de diferenciação. Produz a auto-regulação da psique.

Elisabeth Bauch Zimmerman

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